domingo, 13 de outubro de 2013

DIA 2 - VICKSBURG - CLARKSDALE - 250 KM RODADOS

What a day!!!!! Chegamos hoje ao local de nascimento do Blues, Clarksdale. Dia começou cedo, até porque, Vicksburg efetivamente não se mostrou uma cidade de muitos atrativos. Escrevi no post de ontem que Montanha tinha achado a cidade meio com cara de ghost city. Pois e não é que ele acertou? Hoje pela manhã na recepção do hotel folhetos ofertavam um Ghost Tour na bela Clarksdale. Pra completar, tentamos comprar uma pizza num Papa John’s ao lado do hotel quando faltavam ainda 15 pra nove e a infeliz do balcão disse que já tava fechado (na porta uma placa gigante falava que fechava as 10...). O jeito foi comer hot pocket feito no micro-ondas (isso, depois das experiências feitas pelo Rodrigão no mesmo micro-ondas tentando transformar uva natural em passa!!!!!!).


Retomamos a Route 61 pelo estado do Mississipi. Como curiosidade, a viagem começou na Louisiania e ainda ontem chegamos ao Mississipi. Outro fato que chama a atenção pelo cenário e que já se havia feito perceber no percurso pela Rota 66, onde rodamos muito pelo interior da América, é a quantidade de igrejas. Dá a impressão de ter mais igreja do que MacDonalds!!!!



Seguimos rumo ao Norte com tempo bom, após o dilúvio de ontem. Neste trecho, a Route 61 também é conhecida por Great River Road, porque ela efetivamente acompanha o traçado do Mississipi.  Cerca de 20 milhas antes de Clarksdale fica uma cidade chamada Marigold. É nos arredores dessa cidade que fica um marco da Rota do Blues e que estávamos ávidos por visitar. Estou falando do Po’ Monkey’s, uma “joint”, como eles chamam aqui (em tradução livre daria pra chamar de espelunca) que é famoso por sua contribuição para o desenvolvimento do Blues. Segundo a história, foi em Clarksdale que o Blues nasceu. E em grande parte, isso se deve à história do desenvolvimento das fazendas de algodão somadas à forte segregação racial na região do Delta do Mississipi. Naquela época, lugares como o Po’ Monkey’s proliferavam pela região. Eram lugares muitíssimo simples, onde os negros trabalhadores das fazendas se reuniam em busca de diversão barata. Foram nessas lavouras que surgiram os primeiros acordes do Blues, e foram nessas “joints” que a música se espalhou. Infelizmente, com o tempo, quase todos esses lugares desapareceram do mapa, com exceção do Po’ Monkey’s que está no mesmo lugar há 58 anos. Chegar lá não é difícil, mas é preciso saber onde se está indo, porque não existem indicações. Seguindo pela 61 ao Norte, após a entrada de Marigold há uma placa indicando uma fazenda de algodão chamada Pemble Farms. Nesse sinal entra-se a esquerda saindo da 61, e logo a seguir à esquerda novamente por uma estrada de terra e pedra. Uma milha depois o Po’ Monkey’s estará à esquerda.
Chegamos ao local e ficamos um tanto desapontados, porque estava fechado sem sinal de viva alma. Mas ok, paramos, descemos das motos, tiramos fotos, e já íamos voltar pra estrada quando, exatamente no momento em que fazíamos a volta pra encontrar a 61, eis que chega em sua pick-up laranja (sim, laranja e em dois tons) o senhor Willie Seabarry, ou o Po Monkey em pessoa. Nesse momento entendemos porque o cara é uma lenda. Chegou buzinando, maior esporro, mandou a gente estacionar as motos e entrar. Abriu o lugar pra gente, mostrou onde ficava a cerveja gelada, sentou e começou a contar história. O lugar é surreal (fazia tempo que não usava essa expressão que era frequente em blogs de viagens anteriores). É como voltar no tempo, mais de meio século de história num lugar apertado, abafado, escuro e totalmente tosco, mas de onde não dá vontade de sair. Zilhões de cacarecos espalhados por todo canto, macacos de tudo quanto é tipo pendurados no teto, velharias, quinquilharias e a fala orgulhosa do Po Monkey afirmando que naquele lugar nunca, jamais, em momento algum, tocou country, rap ou qualquer outro tipo de música que não Blues. De tempos em tempos ele se levantava, ia pra “cozinha” (cozinha porque tinha um micro-ondas e uma geladeira com uns 150 anos....) e voltava com uma sacanagem diferente. Na primeira, trouxe uma caixa do tamanho de uma caixa de sapatos com uma roleta em cima e pediu pro Rodrigão girar a roleta. Na verdade onde ia cair não interessava porque quando o trem parou de girar pula da caixa uma Caceta em riste e ele cai na risada, fazendo questão de mostrar que ele construiu a engenhoca a partir de uma ratoeira. Daqui a pouco ele volta de avental dizendo que vai fazer alguma coisa pra gente comer, chega perto do Rodrigão (enquanto escrevo to aqui pensando que acho que pintou um clima entre o Po Monkey e o Rodrigão....), levanta o avental e outra kcta pula pra delírio do figura que cai na risada outra vez. Saímos de lá com a certeza de ter visto algo que não se encontra todo dia e em qualquer lugar (é óbvio que aqui não me refiro às kctas de sacanagem do Po Monkey, mas ao próprio, ao lugar e à sua energia e história).

PO' MONKEY'S









Aqui, Montanha pregando no teto do bar uma nota de dois reais assinada por nós. Tem dinheiro de tudo quanto é lugar no teto to bar do Po Monkey, que em pessoa observa preocupado o desempenho do Montanha com o grampeador.






A prova do crime. Agora, temos uma camiseta nossa na parede do Bagdad Café na Rota 66 (Rodrigo esteve lá o ano passado e testemunhou que a camisa continua lá, onde a pregamos anos atrás) e uma nota de real assinada no teto do Po' Monkey's. :-)


Com o próprio, antes de voltar pra estrada.

Seguimos para Clarksdale e chegamos a outro lugar que queríamos conhecer. Trata-se do Shack Up Inn, um hotel que é uma antiga fazenda de algodão cujo armazém principal foi transformado em um outro local surreal, com um palco enorme, bar, bancos de igreja pra quem assiste o show e recepção de hotel, tudo junto. E os quartos são, na verdade, cabanas absolutamente toscas por fora, algumas fabricadas com chapas de metal, outras com madeira velha, tudo no melhor espírito Bluesy. Infelizmente, tava rolando um festival no lugar e estava tudo lotado. Então vazamos pra Clarksdale pra almoçar e matamos um hambúrguer, provavelmente a refeição mais comum até aqui, já que pelo caminho nos dias anteriores experimentamos peixes exóticos dos pântanos da região, ostras defumadas, sopa de tartaruga, patolas de caranguejo e até rabo de crocodilo. Visitamos o Delta Blues Museum, que conta em fotos e memorabilia a história do Blues e passamos pelo Ground Zero Blues Club, onde possivelmente voltaremos a noite. 



Tentamos a sorte em outro hotel histórico, o Riverside Hotel, uma casa de início do século passado que até 1943 foi um hospital de negros e foi onde morreu Countie Basie, levada pra lá após o acidente de carro que a matou. Desde então se transformou em um hotel cheio de história onde muita gente famosa do Blues já se hospedou, mas infelizmente, a proprietária do hotel não estava e o bilhete na porta dizendo que ela voltava logo não nos animou a continuar esperando. A bem da verdade, o lugar parecia meio mal assombrado e provavelmente não vê uma forma desde a época de Countie Basie, então, talvez, o Confort Inn talvez tenha mesmo sido uma melhor escolha...



Amanhã tiraremos a foto clássica do cruzamento da Rota 61 com a 49, onde o Robert Johnson supostamente vendeu a alma ao diabo e seguiremos a Memphis. Só esperamos que o visual Penélope charmosa do Cesinha melhore a partir de amanhã, senão vai ter que voltar a usar o colar de patinho. Do jeito que vai, de echarpe no pescoço, já tá pegando mal pra reputação do grupo...  :-)